sábado, 4 de setembro de 2010

Em defesa do mérito


O atual sistema brasileiro de cotas raciais para o ingresso nas universidades públicas é vergonhoso. E o é, antes mesmo que se analisem as ideologias ou perigos que pairam sobre ele, pelo simples fato de ser absurdamente anticonstitucional em cada linha de seu texto. Esse projeto não só contradiz diversos artigos da Carta Nacional no que se refere ao acesso indiscriminado e meritocrático à educação, como também fere seu princípio básico, segundo o qual todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
No século XVIII os ideários da Revolução Francesa (cujos princípios foram compilados à carta da ONU, da qual o Brasil é signatário) já defendiam a igualdade, a liberdade, a fraternidade... No século XIX Darwin provou a inexistência de raças humanas, expondo evidências de que todos os indivíduos descendem de um único ser primitivo. E no século XXI volta-se a discutir relações entre o já há tanto abolido conceito de raça e capacidade individual; volta-se a questionar a igualdade dos indivíduos perante a lei e aos homens. A incoerência e o retrocesso histórico implícitos nesse processo são gritantes. Ora, se todos são iguais como se justifica a existência de uma lei que relaciona a capacidade intelectual dos indivíduos à cor da pele?
O Sistema de cotas surgiu nos Estados Unidos da década de 60, como um dos vieses do então recém-criado conceito de política afirmativa. Sendo os EUA um país no qual a discriminação realmente existiu, inclusive como lei, a justificativa de que a política seria adotada para reparar um passado depreciativo mostra-se perfeitamente contundente. O racismo era uma coisa real naquele país. Aqui no Brasil, no entanto, nunca se observou processo ao menos semelhante. Apesar da existência da discriminação em alguns setores da população, questionando-se nas ruas todos tem consciência das múltiplas origens formadoras do nosso povo, da inexistência de uma etnia definida. Ao se adotar o sistema de cotas no Brasil, corre-se o risco de vivenciar algo parecido ao que ocorreu na Índia; onde todos se declaravam dalits para ter direito ao benefício e outras castas menos favorecidas começaram a protestar para ser incluídas no mesmo. Logo teríamos cotas para mulheres, deficientes físicos, anões, e quaisquer outros grupos que se sentissem inferiores de alguma maneira.
O Brasil é um país desigual. Mas não é racista. Crianças não nascem racistas. Se esse assunto parasse de ser exaustivamente falado muito provavelmente ninguém nem ao menos se daria conta das diferentes cores de pele existentes, veriam uns aos outros como são e como a maioria vê – pessoas, apenas pessoas. O movimento negro, ao querer separar-se do resto do País e ser visto como diferente e merecedor de facilidades por ter sido injustiçado num passado remoto, corre o risco de consolidar o problema que deseja combater. Incutir na mente das pessoas que eles não são iguais. Ou ainda criar um racismo às avessas. A verdade é que estão querendo racializar um país que não é racializado.
As cotas para alunos de escola pública, por sua vez, são compreensíveis, já que dão acesso a quem não teve grandes oportunidades de estudo, mas sem levar em conta a cor da pele. O único perigo destas, no entanto, é a possível acomodação que pode gerar em nossos já pouco eficientes governantes, em propor e executar uma melhoria no ensino público de base; esta sim a única e incontestável garantia de que todos os cidadãos brasileiros tenham acesso a uma boa educação e, conseqüentemente, às universidades – de forma justa. 
Vestibular é mérito. E é assim que deve continuar a ser. A seleção dos melhores alunos, que se esforçaram a vida inteira, com melhores ou piores oportunidades, batalhando e vencendo passo a passo, para ingressar na universidade. A escolha daqueles mais bem preparados para contribuir de alguma forma para o desenvolvimento do País. Que as horas exaustivas de estudo, as noites mal dormidas e o sacrifício dos pais para formar esses alunos sejam levados em conta. Que todos concorram igualmente a uma vaga para o futuro e os planos almejados. Competindo como são verdadeiramente: Jovens sonhadores cidadãos brasileiros.

Um comentário:

  1. Discordo e concordo em alguns aspectos com você, Luciana. Vivemos em um país que foi colonizado, por uma nação Européia, que substituiu nossas raízes culturais pelo Eurocêntrismo. Sabemos que os negros eram trazidos da África para satisfazer as necessidades da nobreza Lusitana. Perderam seu bem mais precioso que foi a cultura. Reconheço que estás certa, quando citas que o movimento negro tenta criar um novo país, ou irrompi uma segregação étnica, pois somos resultados de uma miscigenação, mas não podemos vedar os olhos para o preconceito racial. Não podemos deixar de ressaltar que o principal problema social do Brasil é a ausência de reconhecimento da cor. Infelizmente ou felizmente, muitos não admitem sua etnia.
    Alguns não admitem sua cor, devido ao desconhecimento do processo histórico, a cerca do nosso país. A história condenou a maioria do seu povo ao desconhecimento do processo de formação Brasileira, aplicando em alguns períodos, métodos para limitar a capacidade de compreensão do mundo, a fim de privilegiar a ordem vigente. Essas pessoas desconhecem a idéia de miscigenação, ainda acreditam na teoria do Branco, negro e índio, que pode dar mulato, caboclo e cafuzo. Nesse contexto, o sistema educacional de outrora é o principal delator dos negros na sua inclusão social. E a realidade mudou muito pouco. O governo criou o sistema de cotas para estudantes de escolas publicas para favorecer a inclusão de jovens destes nas universidades publicas, tentado reparar um problema histórico, pois os filhos dos negros estão nas escolas públicas. Essa e a única possibilidade destes adentrarem nas universidades do Estado, pois não poderíamos afastar mais ainda os mais desfavorecidos. Eu concordo quando você cita a necessidade de solucionar o problema da educação básica e média, mas quando a educação pública será melhor que a privada, dentro do neoliberalismo? Os donos das escolas privadas aceitarão que um dia a escola pública seja melhor que a deles? Se isso ocorrer, teremos mais escolas particulares funcionando? Dentro desse contexto, você se matricularia numa escola publica ou privada? Você pagaria pra ter um ensino inferior, mesmo você podendo cursar uma escola publica de boa qualidade? Então por que o candomblé é a religião mais discriminada? Por que vemos poucas negras atuando em grandes cargos? Por que os negros não atuam nos grandes centros políticos? Durante nossa história, o negro foi marginalizado, devido ausência de acesso ao bem mais precioso ao homem, a educação. O racismo é uma conseqüência das relações sociais e econômicas. Por que vemos apenas Apresentadoras de TV com cabelo liso? Por que as mulheres querem dar chapinha no cabelo? Eu vejo apenas a cultura eurocêntrica presente no nosso cotidiano. A maioria da população desconhece a nossa verdadeira formação, porém há uma cabal desvalorização da cultura dos descendentes da África.

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