Foram-se os dias amenos, em que o ser livre e pleno era o grande objetivo e dádiva maior da vida. A ganância e a competição desmedida tudo corromperam, degradando as instituições, as relações interpessoais e, por fim, o espírito criativo. Nada mais se faz por mero prazer ou para o encanto dos sentidos. Tudo deve ter um propósito claro, conciso e definido – até mesmo a arte, não mais se justifica por si só. O capital dita a emoção. É a poesia da existência aprisionada pelo vil metal.
O sistema determina quando e qual emoção sentir. Diz ter a resposta para as dores e angústias que ele mesmo, em sua crueldade e insensibilidade criou. As pessoas se isolam em muralhas e tentam preencher o abismo em seus espíritos com matéria. O capital as dominou tão completa e irreversivelmente que nem mesmo o sofrimento, seja por um falecimento ou amor perdido é algo pessoal e íntimo nos dias de hoje. Em algumas partes do planeta já existem “shows de luzes terapêuticas” em funerais e “centros para recuperação de corações partidos”. Como pode a dor ou o amor ser curado, expresso ou entendido dessa forma?
Assuntos da alma tratados como mercadoria; reproduzidos em série em sites de relacionamento ou até mesmo de promessas virtuais. Padronizar a fé, o sentimento, os costumes. Indivíduo e coletivo se confundem da pior maneira que poderia ocorrer – não em busca do bem de todos (como seria desejado na política, por exemplo), mas num processo mecânico, de uniformização nociva, em que o eu e o você são basicamente o mesmo, sem nenhuma peculiaridade ou diferencial expresso, e pior: as pessoas querem que assim seja.
Até mesmo os jovens, símbolos naturais da contestação e da originalidade, tentam ser diferentes agindo todos da mesma forma. Vestem as mesmas roupas, copiam celebridades da moda (que por sua vez imitam umas as outras), lançam idéias e comportamentos que nada mais são além de releituras mal estruturadas das gerações anteriores. Bom exemplo disso são os “emos”, imitações dos “góticos”, que já eram uma cópia menos criativa dos “ultra-românticos”.
Não há originalidade. A sociedade de consumo impõe às pessoas que a felicidade só será alcançada agindo de determinada forma e tendo determinadas coisas. E elas, já engessadas no pensamento pela falta de exercício da criatividade e invenção, habituadas a já receberem formulado até mesmo o que devem pensar, aceitam.
A magia e o encanto de preparar um bolo em casa, escrever uma música ou pintar um quadro se foi. O artesão não expressa mais como ele se sente. Ele sente aquilo que o mercado quer – ou nem sente, apenas faz, como uma máquina.
A poesia pura e simples, a complexa oscilação de sentimentos própria da existência humana está se perdendo. O indivíduo não se conhece ou não admira mais suas virtudes e defeitos, a mistura e inata e tantas vezes incoerente que nos faz sentir toda a dor e a delícia de ser quem nós somos. Imperfeitos, mas únicos.
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